quarta-feira, 30 de abril de 2014

efemeridade

já não me servem
as palavras de sempre,
visto-me de instantes

e
na inconstância
rasgo o que foi ontem...

terça-feira, 29 de abril de 2014

segunda-feira, 28 de abril de 2014

sangra...


sangra minha alma
sob as patas do tempo, sangra
cavalga contra o vento
distorce meu pensamento,

fina esgrima
perfura minhas entranhas
liberta minha carne
drena meus sentimentos

sagrados tormentos
em um só espaço...
eu e meus eus,
eu e meus ais

ai de mim
de mim drenam ais
assim com rimas
com imãs

sangro a toda hora...

derramo sonhos errantes
sem nexo complexos,
eu e meus eus
ai de meus eus

eus de meus ais!

busca constante
contradições
eu, miseravelmente eu,
sangro e nada mais...

30


há um fio de dor
no crepúsculo que pia
aves choram marias

domingo, 27 de abril de 2014

ele, ela...


ele, teso
ela, fluído

ele pedra bruta
ela, escultura

ele... surto
ela, o juízo

ele, o paradoxo
ela, loucura

ele, revolto lago
ela, afago

ele... paciência
ela, erupção

ele, vulcão
ela, a lavra

ele o dom
ela, som

ele, devoto
ela, herege religião

ele, vicio
ela, lascívia

ele... erosão
ela, terra à espera

ele, desejo
ela, o gozo

ele, a boca
ela, o beijo

ele, o anjo
ela, eva...

psike e
éros...

proscrita

eu não tenho espaço
eu não tenho uma casa
entre segredos e medos
encaixo-me em hiatos...

nas esquinas das dores
vou cultivando ais e gemidos
sou bicho demolindo muros
tijolo a tijolo, extraindo cascas

nua, lua sem quarto, sem rumo
carne decantada, ossos no asfalto
aborígene em terra  de letras brancas
eco de um velho e vermelho mantra...

assim livre,  sem  meias mentiras
sem meias verdades, no gume da faca
imprópria para consumo, abusada
essência maldita  a ser propagada

sexta-feira, 25 de abril de 2014

da fome

Dos travesseiros às avessas, seara em navalha sangrando armários no breu que se arrasta... Dessa inquietude onde o leito em chagas expele a carne de encontro aos muros, dedurando refúgios...

Arrebentadas as comportas, olhos sem quartos. Meninas e retinas num jogo de amarelinha, brincam em seda branca, enamorando silabas.  Desses escorridos verbos, cobras enterradas em meio às horas, bolinando medos.

Malditas horas em círculos, vivem a escarnecer a olhos vistos do viço do minuto em riste. Viciadas a aprisionarem corpos - meu e teu - crucificados em letras, pratos cheios, pratos feitos, prata e seios...  Seios a jorrarem do leite, letras, alimento da insonia. Carrasca Insonia,  deusa da fome, que a tudo, engole...

das dores


ando às voltas
com letras pontiagudas
quase navalhas
quase agulhas
e se teço
palavras e versos
sinto o corte na verve
sinto a dor quase pele
mas se em terços
sangro ladainhas,
é da prece sem fé
minha poesia
poesia
com cara de facas
de mãos a bordarem
odes à agonia

quase lá...

espreguiça-se o tempo
no leito dos devaneios, morte
e vida, gemem...

de olhos fechados


a um passo do abismo
fundiu-se em metáforas
abusou das palavras

livre, sem aspas...

terça-feira, 22 de abril de 2014

se...

se eu escrevesse
o que penso, o que há,
letras atravessariam
espaço e tempo

e num repente
ratos, rostos, desgostos
gostos, restos e vozes idos
ganhariam gestos e vida

disfarço o medo
pensamentos esfarelo
pensamentos atropelo
agarro-me ao desprezo

e uma poesia torta
sem nexo, sem reflexo
entre meus dedos mudos
quase morta, boceja...

segunda-feira, 21 de abril de 2014

das palavras

bulinava as letras
num cio todo lento
comendo e bebendo
do fruto proíbido

que perigo...

não voltou ao paraíso(?)
fez-se filha de lilith
prima-irmã de eva
rasgou seus limites

palavra à palavra

deixou a deus, adeus...
foi ser mais ela, mais eu
lá pelos fins dos caminhos
os pés recolheu

criou asas, sem ser anjo
voou, voou, voou...

sábado, 19 de abril de 2014

sexta-feira, 18 de abril de 2014

da verve

facas
entalham
na carne
catarses

letras
ingerem
pústulas
abertas

palavras
em coma
bailam
na pele

e  os versos
devolvem
ao inferno
a verve

são gritos


entre as letras
e o pão que fermenta
minha mente fervilha
cá estou eu, louca
farejando meus pares
caçando minha matilha

o pão deitado na mesa
jaz como o corpo de Cristo
à espera de ser ao forno levado
depois do seu longo martírio,
ele, nos homens,
não acredita

as letras, já eu, disse,
são como mulheres vadias
oferencem-se por um rabisco,
quem dá mais? por um sorriso?
entregam-se com volúpia aos dedos
abençoados ou proscritos...

santa escrita,
santo pão
santos, são...
mal ditos, malditos
sanscritos em mãos
ambos em coitos
saciam homens
nem sempre com fome...

o vômito inevitável
vem rasgando a garganta
a massa do pão disforme
os versos de letras tortas
estrebucham-se no chão
aflitos, em um aborto
aos gritos, em vida
celebram, a morte...

quinta-feira, 17 de abril de 2014

cinzas

semi-adormecidas
envelhecem entre as cores
horas e horas cinzas

e enquanto um sonho grita
rasgando o vermelho dos tímpanos
elas, as horas, uma dor, fingem...

fingem e nada dizem
fingem e tudo pintam
mais e mais de cinza

cinzas...

quarta-feira, 16 de abril de 2014

medo da chuva...



O dia seco agradecia o vento frio que começava a soprar. Era prenúncio de chuva, seu corpo pressentiu as correntes elétricas que se propagavam antes que o céu se fechasse em nuvens escuras.
Seus cotos sempre sabiam, agitavam-se pedindo proteção. Enrolou-os no que sobrara das suas vestes, tentando em vão proteger-lhes como se protege uma criança indefesa. 

A cidade estava em movimento. Ali na calçada, triste e insultada pela vida, Lola tentava manter o pouco de dignidade que ainda lhe restava Não se lembrava de como fora parar ali, não se lembrava como se perdera na vida.
As pessoas que passavam por ela, lhe dedicavam um olhar penalizado, às vezes nem isso... Às vezes desviavam o olhar, como ela fosse o mal sendo castigado por seus pecados. Afinal algo deveria ter feito de errado para ter perdido as pernas precisando se arrastar pelo chão, ela se encolhia diante desses olhares que a julgavam e condenavam, tentava esconder cada vez mais seus cotos daqueles que zombavam da sua fragilidade.
Era evidente que estava a esmolar. O céu se fechava cada vez mais e Lola começava a se desesperar, crianças saíndo da escola passavam por ela fixando os olhares curiosos, algumas a apontavam rindo como se fosse um ser bizarro. Achavam graça nela. Perguntou-se onde estariam suas próteses. Não havia nem sinal delas, se é que um dia as tivera.

Uma dor atingiu Lola ao se sentir tão desnudada diante da vida, a dor de estar impotente diante daquele momento. As mãos estavam sujas, os cabelos amarrados teimavam em sair do lugar, queria ir ao banheiro, ansiava por um banho quente, não sabia mais o que fazer. O vento se tornava cada vez mais forte, trazendo-lhe a poeira das ruas invadindo suas roupas já sujas e queimando seus olhos. Uma lágrima caiu em sua boca, sentiu o gosto salgado na água que marcava sua face... seu único alimento, seu único alento.

O tumulto nas ruas aumentava por causa da tempestade prenunciada, Lola tentava se esconder da melhor maneira possível, como lhe faziam falta as pernas nesse momento...Como queria poder estar de pé e correr, precisava se proteger da chuva que logo caíria . Mas não era possível, só restava aquietar seus cotos, que cada vez mais se agitavam. E quando as primeiras gotas de chuva começaram a molhar seu corpo, surge uma pessoa, viera buscar os poucos centavos que Lola segurava nas mãos sujas, teve medo dele, mas não disse nada, pensou que de alguma forma a levaria dali. Porém ele foi embora e a deixou sozinha no meio da calçada, agora quase deserta.

Ergueu seu rosto para o céu e teve uma vaga lembrança de um passado entre as nuvens carregadas... A lembrança de haver em algum lugar uma outra pessoa zombando dela dizendo-lhe que nem sempre o bem vence o mal, mas quase sempre os fortes vencem os fracos...Não havia naquele momento nenhuma esperança que pudesse amenizar seu sofrimento. A chuva finalmente caiu com toda sua força, lavando seu corpo mutilado causando arrepios na carne e na alma, sentiu-se por alguns momentos agradecida por ver-se livre da sujeira que o arrastar no chão lhe impusera.

O frio que lhe causavam o vento e a chuva, era pequeno diante do frio que sua alma sentia. Precisava de calor humano. Chorou na tentativa de aquietar seu coração.
As lágrimas que molhavam seu rosto, os seus soluços a fizeram acordar...Tinha sido mais um dos seus pesadelos, se encolheu na cama sentindo em seu corpo o ecoar da tempestade que caía, fechou os olhos e pensou se haveria lá fora uma outra Lola com medo da chuva....

é noite ainda...


Há um rasgo em meu ventre amputando o umbigo que me liga ao mundo. Um corte a cavar o fim de um verso no meio das nuvens. Da saliva dos céus, alimenta-se, minha oca poesia.
Foi-se o fio enroscado entre os dedos. Desprendeu-se da alma, perdeu-se no espelho.
Finda o dia, finda o crepúsculo. Nasce a noite, grita, esperneia, abre sua boca. Faminta do outro lado da cerca, me espreita. Sabe a noite, do meu cansaço, das minhas dores,  do cordão atorado ao meio.
No arrastar sobre o mármore das letras recolho minhas vestes, minhas folhas, minhas telhas. Fecho janelas, fecho portas, fecho peles, fecho flores. É noite, ainda que o sol a pino paire nos ponteiros do tempo.
É noite, sempre noite. Sem estrelas ou lua, geme minha essência, geme à beira do abismo, geme... Só mais um deslize entre as linhas férreas, é noite. Minha carne às facas se prende. Só mais um ato cirúrgico, o sangue urge, a taça uiva...
Contorce-se meu ventre em visceras. Ao avesso, aberto, descoberto, desprovido, pelas frestas recebe o breu. Descortina da noite, seu véu.  Sem versos, sem verbos, sem sentenças, sem orações, sem palavras, às favas... Segue a vida, e eu, enfim, no limbo da noite, fico.

terça-feira, 15 de abril de 2014

alquimia

há um medo
despertando em minhas mãos
a dor de não mais ter letras

medo da palavra foice
vinda de um espelho alheio
distante e certeiro


há essas entrelinhas
abertas e em vísceras vivas
burlando o silêncio

entrelinhas minhas
passeando em outra vida
tal tatuagem na carne nua

há uma alma, a minha
há outra alma, a sua
reféns da poesia


numa estranha alquimia...

28


um terço de chuvas
uma terça que  se apaga
em meio às águas

correntes


há névoas
nesse peso
das asas

onde o sol
se põe e meus pés
com ele, arrasta

há fissuras, minhas,
nos dedos do vento
a sangrar o tempo

onde, queimo
e gemo, um nunca
que é sempre

há o círculo
seviciado, a gozar
de minhas, pústulas

onde a carne
da palavra, é caça,
e da dor, sou escrava....

vazio

in vitro
vitrais
invento

do tempo
mordo
o cimento

daquelas
paredes
a dentro...

tijolos
meus
arrebento,

construo
castelos
sem elos

inacabados
desolados
ao chão...

remexo
refaço
e nada

vazio
não cio
desinspiração.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

não sei

não sei mais ser suave
indelicadeza, reverso em ferro
bisturis nas entranhas, peço...
sofismas que minha carne, tece,
punhal de incerteza é quase

não sei mais sorrir
brotam rasteiras ervas daninhas
sufocando os poros de onde
em outra seita, cultuavam luxúria
louvor a uma alma crua...

não sei mais ser essência
escorre pelos vidros
da vida, meus cacos,
minha água, partos
cristais aos pedaços

não sei mais ser pura
contamino minhas veias
vícios, riscos...
vínculos arranhados na areia
tempo diluído em sangue

não sei mais ser eu
dor que minha língua, lambe,
letras esculpidas em vitrines
sinais vermelhos sem maestria
em negros glóbulos de rimas...

não sei mais ser flor
sem miolo, oca
rasgo minhas pétalas
fungos em caule seco
restos, incinero...

do casulo

de que foram feitas
essas sinuosas ruas minhas

onde nem meus eus
acham-me de face de fora

de que foram feitas
essas minhas entrelinhas

onde nem minha poesia
encontra o fel que me devora

de que foram feitas
todas as minhas manias

onde nem minhas facas
arranham as pedras que abrigo

de que foram feitas
todas as minhas buscas

onde nem minhas máscaras
alcançam os pés de outrora

de que, onde, quando
perco-me sem mais e tanto

de que, onde, quando
naufrago em meu sumo

fujo

e não volto
e não volto...

sábado, 12 de abril de 2014

a folha e o poema...


a folha branca se espanta
goteja do céu de cimento
excitação à desbotada donzela
hálito do poema, in feto

abstinência prescrita no esquecimento
frágil luto.... luta a flor de celulose
o cio da fêmea, vence... o rubor engole
cálida, ondulante, doa o ventre

brasas no arco íris dos dedos
arregaçam da folha, as ancas
ruído de espumas no útero
espasmos em espelho quente

incesto entre os gestos
gestam-se os versos
prolifera a raíz, cicatriz em concha
da folha, brota o poema, em ecos...



sangro

a dor lá fora
late, bate à porta
reclama

declama
inflama-se
entra

e aqui dentro
rasga-me a verve
fere tanto...

um tanto escuro
um tanto quanto
um tanto surdo

e nada muda

sangro

quinta-feira, 10 de abril de 2014

do outono

adentra o outono
pelos galhos, pelas folhas

no vento que sopra
caminham seus olhos

fosse mais quente
fosse mais frio

um pouco mais moço
um pouco mais velho

não seria dos dias
o senhor da nostalgia

não teria nas costas
os passos de ontem

não teria nas mãos
o hoje a  ir embora

sorri o outono
abre sua casa, seus quartos

pinta esperas
enfeita-se de amarelo...

e ao sono, uma prece
acolher o inverno

quarta-feira, 9 de abril de 2014

tão pouco...

um pouco de tudo
nesse fim de mundo
confins de confissões
caricatas  e absurdas

na ponta da agulha
nem fio, nem olhos
só um pedaço do nó
esquecido pelo pó

lanhada, temperada
ao sugo, verte a flor
tolices, achando ser cor
a névoa de sua dor

tolices... confissões
querendo ser semente,
um solo sem  estrelas
estéreis dedos riscam...

megalomaníaca, a letra
pensando ser do sol, a lua
derrama seu resto de vida
sobre o véu da poesia...

um pouco de tudo
nesse fim de mundo,
confissões, tolices
bobagens, catarses

terça-feira, 8 de abril de 2014

27


de barriga de fora
grávida de mil e um olhos-
a lua de seus homens

segunda-feira, 7 de abril de 2014

silêncio


de distantes letras
fiz leito, fiz teto,
fiz sóis
fiz-me nó

um nó aperto
sem carne, abstrato
num gesto em vigilia
e tão só

fiz-me olhos...

sem ir além
sem améns
sem aquéns
sem refém

fiz-me espera
( sem reflexo )

um fio de entrelinhas
em meios aos versos
a soprar num dialeto
poesias ainda feto

e veio o tempo
e veio o vento
e veio o outono
e veio o sono

fez-se  o esquecimento
( mais e mais distantes )
adormeceram as letras,
em silêncio...

domingo, 6 de abril de 2014

do tempo

sei e sinto o desprezo
dos olhos meus aos teus
e te sopro e emudeço

numa síncope no peito
faço morada, faço gelo
e sobre ela, deito-me

não há, não houve
no silêncio que me protege
nenhum outro veio

só esses versos
que ainda teço, ao meio
e me descobrem inteira

ah, essa minha indiferença
que me faz em pé e sem correntes
mãos soltas em reticências

e se me assusta ser livre...
encanta-me a ti, meu desapego
ontem era tudo, hoje és areia

areia ao vento
areia entre os dedos
areia ao tempo

sexta-feira, 4 de abril de 2014

26


escondeu-se o dia-
entre árvores quase cinzas
o crepúsculo pia

Gestando...



E então fez-se dia. Os pássaros cantavam, as comadres gritavam com seus filhos nos quintais vizinhos, o café na cafeteira esfriava.
Da janela da cozinha pude ver os galhos da mangueira acariciando a casa ao lado de costas para mim.
E aquela maldita TPM, a dor nos seios, o sol embaçado, o piso limpo que me parecia sujo, muito sujo. Jurei vingança para depois do almoço.

Entre lavar a roupa pela manhã e escrever. Escrever.
Ora, sim, ainda sou uma dona de casa. Dessas à moda antiga. Com direito a bolo de fubá, leite quente e roupa no varal.
Mas, hoje, hoje não. Hoje as letras seriam mais importantes.
Sentada diante da tela, branco total, branco desprezo. Branco roupa quarada.

Li algumas coisas, respondi emails, totalmente desinspirada.  Vazio.
Voltei à janela. A mangueira ainda acariciava a casa vizinha. Traição.
Tanto fiz por essa ingrata, plantei, irriguei e ela? De flerte com os vizinhos.
Como se adivinhasse meus pensamentos, o vento balançou suas folhas e pude vislumbrar em meio ao emaranhado verde, pequeninas flores em promessa de frutos.  Sorri.
Com um pouco mais de calor - aqui faz frio - teria belas mangas. Minha mangueira estava grávida, não era mais uma adolescente.
A vida seguia seu curso.

Fechei o computador,  desisti das escritas, também eu precisava gestar para colher frutos.

terça-feira, 1 de abril de 2014

abril...

instável abril
não sabe o que diz
se chora ou se ri

se é quente ou frio
se verdades recria
se palavras inventa

dia ou noite
na inconstância dos verbos
ao outono mente

entre o verão e o inverno
ora quer ser uma borboleta
ora uma folha seca