sábado, 31 de maio de 2014

do que sou...


e essa ponte

entre meus olhos
e minha boca

entre minhas letras
e meus pensamentos

entre meu rosto
e o espelho

entre meu corpo
e o tempo

essa ponte

faz-me tropeço

faz-me segredo

faz-me latente

faz-me hoje

faz-me dos defeitos

ciente...

sexta-feira, 30 de maio de 2014

33

há tantas penas
entre o verde e o cinza do dia-
nem só os pássaros piam

quinta-feira, 29 de maio de 2014

à margem...


Letárgicas minhas letras, negam-se aos meus dedos. Fossem cadáveres, mereceriam lápides, mereceriam secas e esturricadas lágrimas. Um retorno ao que me dedicam há dias, ontens e hoje. Ingratas, fazem-se mulheres frias, reviram-se, escondem de mim sua poesia. Poesia? Como  se fosse minha cria, a poesia. Que ignomínia... Não há a posse da poesia. Não há no rosto que se esconde por trás dos nomes a magia de despertar fosse onde fosse, fosse poço, fosse fossa a queima da carne, a ardência da alma onde mora a desonra do que é ser direito, o certo sem avesso. Tudo é gelo, tudo é degredo aos olhos que batem e voltam na lâmina rasa e sem espelho nesse rosto que tenta não ser de si as próprias letras em veios.

E elas, as letras, sabem e encaram-me de cara feia, com maus modos, crianças que tudo veem, que tudo pressentem entre a página branca e longa que estende-se entre meu leito e o concreto do martelo que nega-se a executar ordens sem nenhum deleite, sem nenhum defeito. Posto que perfeita não sou, posto que torta são e sabem as palavras que de mim escorrem quando sem eixo, deixo-as livres e soltas.

Nessa guerra entre o ser e o não ser, perco. Perco o tino, o rumo, o prumo, a rima. Restam-me os passos mancos, as palavras surdas. Não querem a exatidão, não querem os céus, buscam o porão. Buscam entre meus dedos o refugo, o esgoto, o meio vivo, meio morto. O torto.

É nas arestas, é na assimetria, é nos olhos que cavam e escavam imagens em busca do miolo onde a arte encostou suas palavras como se um descarte fosse que mergulho e volto, zonza, tonta. E ali ou aqui, à margem, sempre à margem do que para uma maioria hipócrita e mediocre vive seus dias, enfim enroscada ao doce sorriso das letras que antegozam em meus dedos minha rendição, minha submissão, de cabeça baixa, em transe e palavras em riste, corro riscos, teço rabiscos, arranho e ouço gritos de uma alma torta,  a minha e suas  poesias.


sexta-feira, 23 de maio de 2014

dos ciclos...


debruça-se um maio
sob uma chuva pálida

obediente
paciente

gota à gota
lava e tinge folhas

o que foi verde
o amarelo tece

o que foi vida
esfarela-se

recolhem-se
mais cedo os pássaros

fecham-se
mais cedo os olhos

é o outono
bolinando maio

é o tempo
que o inverno, espera...

terça-feira, 20 de maio de 2014

insípida


desembaraço meus nós
estico, puxo, vomito erros

estendo o que deles sobra
em varais de arrependimentos

um nada sem gosto, sem graça
recolho, reduzo,  amasso, engulo

eram dos erros
as flores, as cores, o tempero

sem nós
sem caos

sem rumo, sem sal
sigo, a esmo..

segunda-feira, 19 de maio de 2014

poesia...


eu tento ser prosa
degustar das letras
com garfo e faca

da faca, erro o lado
e minhas veias abro
sobre as palavras

nem com o garfo
tenho jeito, escapa-me
e do chão faz leito

 restam-me as mãos,
não, não diria vazias
nelas, sangra, a poesia..

sexta-feira, 16 de maio de 2014

que vergonha...

entre
versos
frios

um fio
de palavras
sem química

costurava
a última
rima

constrangida
fugiu
a poesia


quinta-feira, 15 de maio de 2014

impaciente


há um cio lá fora
não sei se é da gata, ou...
da lua que mia

mas "só", chora...

por que?

e quando vem a tosse
parece querer de mim
arrancar os pulmões

pergunto-me
por que não?

por que
não arrebentar
meus porões?

deixar sangrar
garganta e boca à fora
a carne que me devora

essa a asfixiar a alma
essa a castigar o relógio

por que
não vomitar a vida
que me apavora?

deixá-la escorrer
a mercê de veios famintos
nesse chão que me convida

tão fácil seria
trilhar esse caminho

por que não?
por que não?


quarta-feira, 14 de maio de 2014

dos fiapos


refazer os nós
colar os cacos

quem sabe
juntar os ossos

de um  jeito manco
escalar barrancos

encilhar um corpo
meio vivo, meio morto

feito boneca de trapos
talhada na arte em cortes,

e torta

tropegamente
ir em frente

sexta-feira, 9 de maio de 2014

da paz

queria
das histórias
ou dos contos
o ponto final

fosse de amor
ou de guerra
encontro ou
de espera

fosse de açúcar
ou de sal
de água ou
de terra

tanto faz
só no ponto final
há paz
a paz

quinta-feira, 8 de maio de 2014

das almas


se pergunto aos deuses
de que barro, você e eu
fomos feitos

se  pergunto aos deuses
em que gatos e letras tantas
moram nosso encanto

como de praxe
a resposta é o deboche

são apenas, "achos"

e não acho-me

é no limbo
onde vivo, onde piso
nosso encontro

o resto é febre
o resto é carne
o resto é tato

e ao alcance das mãos
não te acho

não importa
não há janelas
não há portas

acostumada a viver
nesse limbo que me consome
não tenho mais nome

"só" sou almma

às cegas


entre o frio dos tijolos
e a lascívia do escuro lá fora
silêncios namoram

quarta-feira, 7 de maio de 2014

invisível...


prolongou-se o crepúsculo,
entre mãos e entrelinhas idas
forjava palavras esquecidas

dessas a brotarem feito sina
sem saberem a dor que não finda
nos olhos que não encontram  rima

se na insistência
ria um pretérito ainda vivo
era do luto, o próximo segundo

e sem ir ou vir
quedou-se o velho moço
no meio do pergaminho

a espera do nada
esparramou sua triste escrita
sem nunca ser lido


32





 de prosa em prosa
 pássaros seduzem o dia-
debulham poesias

fuga

fez-se um rombo
do telhado, os olhos,

e de dentro para fora
réstias em fúria

cacos a morderem dos céus
nuvens e rua...

restou uma casa vazia,
copos e sonhos na pia

obscuras e insones
poesias

domingo, 4 de maio de 2014

mordaças


mordazes cadarços amarram
com destreza as palavras,
na boca escondem as farsas
as frases que proferem
ladainhas, terços, fedem,

travam com fé, a verdade,
tristeza aos deuses... pedem,
em um ato de culpa e contrição
oferecem um indulto, ao pecado
um pedaço do dia, do lucro

mordaças que cheiram a traças
vingam no fundo das frestas da alma
penetram a carne adoçando a saliva
correm no leito das veias
esfaqueando cruzes ocultas

mordazes, mordaças
traças, farsas, escarros
cadarços presos à navalhas
golpeiam o espírito
em atrito

o verbo se faz escravo
pulsa, vísceras implode
joelhos lambendo o chão
tripas, carniça, delicias
escorrendo in vão...

prece, cárcere, pressa
travas, céus, mãos
reza, palavra, prêsa,
talvez, sim... não

sábado, 3 de maio de 2014

noites brancas...


leite fresco nas pestanas da noite
paredes esbranquiçadas em afrescos
a majestade sonâmbula não adormece
arfa  e arde no colo das estrelas

fantasmas cuspidos no talhe da pedra
flutuam em potes habitados pela névoa
o rio turvo na órbita das trevas
borda com o poeta o bocejo da atmosfera

noites brancas infestam os rugidos dos anjos
arranham a abóbada, esporam seus flancos,
pálida... arabesco na tela da pele
nasce Vênus... sopro em madrepérola

fisgado o poeta na lactose da espera
alfineta um sol maior nas asas da musa
júbilo de brilho, escorre alma adentro
ópera em janelas abertas

no parapeito em um quarto da lua
perplexos arroubos cortejam adagas
embriaguez de mãos em gelo quente
despertam a luminosidade dos pântanos

relâmpagos afugentam a via-láctea...
vidraças limpas nascem com a alvorada,
as noites brancas sem o reboco das sombras
envelhecem com a ponte nos olhos do poeta

inóspitas rugas apavoram os templos,
no sorriso em um gancho no palácio do tempo
o espectro da poesia sorve o leite derramado
dos seios nebulosos de Vênus...

sexta-feira, 2 de maio de 2014

das maçãs...


hoje jejuo
abstenho-me

ao redor da fome

costuro silêncios

e se me faço muda
nada quero, nada engulo

amanhã quiçá
tenha fome de maçãs

arrebente gavetas
vasculhe pecados

e

imune ao perdão
faça um minha culpa

vomite sobre os silêncios
minha abstinência

sem fazer-me muda
tudo queira, tudo engula

mas amanhã,
hoje jejuo...

sou de mim, ermitã
não quero maçãs

quinta-feira, 1 de maio de 2014

passamento


se é para ser dor
que seja para extirpar
o que passou

sem coágulos
presos às costas
do tempo

sem nome
sem rosto
sem portas

pó e só...