Letárgicas minhas letras, negam-se aos meus dedos. Fossem cadáveres, mereceriam lápides, mereceriam secas e esturricadas lágrimas. Um retorno ao que me dedicam há dias, ontens e hoje. Ingratas, fazem-se mulheres frias, reviram-se, escondem de mim sua poesia. Poesia? Como se fosse minha cria, a poesia. Que ignomínia... Não há a posse da poesia. Não há no rosto que se esconde por trás dos nomes a magia de despertar fosse onde fosse, fosse poço, fosse fossa a queima da carne, a ardência da alma onde mora a desonra do que é ser direito, o certo sem avesso. Tudo é gelo, tudo é degredo aos olhos que batem e voltam na lâmina rasa e sem espelho nesse rosto que tenta não ser de si as próprias letras em veios.
E elas, as letras, sabem e encaram-me de cara feia, com maus modos, crianças que tudo veem, que tudo pressentem entre a página branca e longa que estende-se entre meu leito e o concreto do martelo que nega-se a executar ordens sem nenhum deleite, sem nenhum defeito. Posto que perfeita não sou, posto que torta são e sabem as palavras que de mim escorrem quando sem eixo, deixo-as livres e soltas.
Nessa guerra entre o ser e o não ser, perco. Perco o tino, o rumo, o prumo, a rima. Restam-me os passos mancos, as palavras surdas. Não querem a exatidão, não querem os céus, buscam o porão. Buscam entre meus dedos o refugo, o esgoto, o meio vivo, meio morto. O torto.
É nas arestas, é na assimetria, é nos olhos que cavam e escavam imagens em busca do miolo onde a arte encostou suas palavras como se um descarte fosse que mergulho e volto, zonza, tonta. E ali ou aqui, à margem, sempre à margem do que para uma maioria hipócrita e mediocre vive seus dias, enfim enroscada ao doce sorriso das letras que antegozam em meus dedos minha rendição, minha submissão, de cabeça baixa, em transe e palavras em riste, corro riscos, teço rabiscos, arranho e ouço gritos de uma alma torta, a minha e suas poesias.
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